† Fábio Silvério φ

É sim. Os amores não se contradizem uns aos outros. Pelo menos não em todos os pontos. É verdade que o eros é um amor de aparente exclusividade, enquanto que o philia, não. Mas parece haver algum tipo de intersecção entre eles, um elo comum. O eros pode ceder, ou concentrar-se em outra pessoa, e daí o carinho pelo primeiro fica sem aquela tensão inicial. Porém, ainda assim é uma situação delicada, porque é muito comum uma pessoa ter saudades do que viveu - ou pelo menos do que conta para si sobre o que viveu - e essas fugas ao passado irão acontecer sempre que houver um problema no presente, o que, como sabemos, é frequente. Além disso, o fato de nos termos envolvido com aquela pessoa significa provavelmente que ela corresponde a alguma coisa em nós, e essa "coisa", geralmente inconsciente, continua lá: é um traço nosso. Por ser inconsciente, escapa ao nosso controle, e só notamos quando aparece, já, alguma espécie de desejo. Assim, pode-se, sim, ser amigo, desde que com as devidas distâncias e consciente dos riscos. Mas eu penso que também não é muito justo abandonar amizades só porque a pessoa começou novos relacionamentos. Movimentos instintivos existem em nós, em diversos sentidos e direções. Eu não penso que o ideal seja se esconder disso tudo, mas aprender a administrar essas coisas, olhando para elas com maturidade, e retirando a atenção disso, se houver momentos de fragilidade. Se formos ceder sempre que houver uma situação de fraqueza, não podemos dizer que há, aí, uma natureza humana em sentido estrito. O amor é um ato da vontade, e não do desejo. E a vontade manifesta-se precisamente na decisão íntima da pessoa, às vezes a despeito da sua agitação mais epidérmica do desejo.

View more

A astrologia é um tipo de saber tradicional que é complicado e demanda o conhecimento do simbolismo natural, o que leva tempo. Existem diversos tipos de astrologia. E existe, também, a astrologia de quinta categoria, essa dos rádios e revistinhas de praça.

---

O perigo da astrologia está no fato de ela ser tentadora por supostamente revelar o futuro e, naturalmente, dar meios de o controlar. É tudo o que o homem quer. Nós temos em nós aquele desejo de Adão: "sereis como Deus". Sempre que alguma possibilidade atualiza essa tentação em nós, nós nos sentimos atraídos. Além disso, se os astros determinam algo na vida humana, segue-se disso ou a negação da liberdade humana (o que é um erro) ou a tentativa de cultuar os astros ou de entrar em contato com forças misteriosas para influenciar o curso dos eventos (o que, sim, é pecado).

---

Esses são basicamente os pontos que o Catecismo elenca como motivos para que ela não seja praticada. Mas a astrologia "tradicional" não segue nada disso. Ela resguarda a liberdade humana, nos ensina o significado do Cosmos de um modo muito mais profundo, é uma ferramenta muito eficiente para o autoconhecimento, e nos recomenda veementemente que nos abramos a Deus.

---

Se for estudar isso, você verá que vários santos ou estudavam isso diretamente, ou pelo menos possuíam o conhecimento do simbolismo astrológico. Alguns papas possuíam astrólogos particulares, e várias igrejas antigas possuem pinturas onde Jesus aparece rodeado dos signos, ou coisas semelhantes.

---

Então, só pra resumir: o buraco é mais embaixo. Recomendo, sobre esse assunto e ao modo de introdução, mesmo, o livro do Marcos Monteiro, "Introdução à astrologia ocidental". Ele é um católico que inclusive possuía um perfil aqui no ask. Atualmente, ele é muito ativo no Instagram e no Facebook. Também no Telegram, pelo que sei.

---

A Astrologia, podendo ser má usada e levar a equívocos, é bom que seja evitada pelo vulgo. Mas algumas riquezas essenciais também ficam enterradas com essa proscrição. Eu penso que vale a pena as desenterrar, desde que a pessoa se preserve daqueles erros elencados.

View more

Mas tem gente que acha que sou calma e n me estresso e n é verdade, parece que tô sendo uma farsa. Eu me acho estressada tb, tb tenho momentos de fúria e ignorância que nem parecem eu... mas ainda mantenho aquelas outras coisas. Fico tipo: o que eu sou de verdade? Como posso ser essas 2 coisas?
-------------

---

Vou falar por mim, de novo. Eu sou um melancólico sanguíneo. Esses dois temperamentos são muito marcados em mim. E eles são opostos. Então isso me deixa meio bipolar: eu sou uma mistura de gaiatice e tristeza, de frieza e expansão.. Posso ser extremamente carinhoso ou extremamente indiferente.. Posso ficar profundamente magoado ou esquecer daqui a dois minutos.

---

Então, sim, é possível ser carinhoso e ao mesmo tempo agressivo. Eu tenho uma ex que é bem agressiva, e eu dizia que era um "carinho concentrado". Pode ser o seu caso. A agressividade indica que a pessoa sentiu-se bastante incomodada. Isso só é possível com pessoas que sentem as coisas de um modo mais intenso. Essas mesmas pessoas, sentindo carinho de um modo mais intenso, serão possivelmente mais expressivas também nas manifestações de afeto. Então, embora diferentes nas formas, eu não vejo muita contradição em alguém ser, nesse sentido, doce e apimentado, rs.

View more

A luz é um ente físico. A treva é a falta dela. A princípio, é só isso. A luz é boa. A treva, sendo a falta de luz, nem por isso é má. É por isso que existem o dia e a noite, ambos bons.

---

Qualquer modulação em qualquer ser requer uma falta que, no contexto, é boa, assim como os silêncios e pausas nas músicas. Uma música que tivesse um excesso de som seria ruim, assim como um ambiente excessivamente iluminado ou excessivamente quente. Mas quando dizemos que essas coisas seriam ruins, nós não falamos de uma maldade absoluta, mas de algo relativo: é ruim para a nossa sensibilidade.

---

Luz e trevas se tornaram símbolos de outras coisas. Se uma pessoa entende um problema, ela diz que ficou "claro". Se as condições financeiras estão ruins, a coisa tá "preta". Esse uso relativo dos termos não é exatamente um preconceito, mas algo que parte de uma intuição fundamental: quando está claro, enxergamos, sabemos onde ir e nos sentimos seguros. O contrário ocorre quando está escuro.

---

O dia, em que há luz, é o momento da atividade, da ação, do trabalho. A noite, em que a luz cessa, é o momento da cessação, do descanso. Mas ambos são necessários. Luz e sombra representam a dualidade fundamental da vida, como no Yin Yang, e nos demais opostos: homem/mulher, céu/terra, bem/mal, belo/feio, ir/vir, subir/descer, nascer/morrer, rir/chorar, etc.

---

Na vida espiritual, especificamente, que é do que mais trato aqui, a luz simboliza Deus, a princípio, e a treva, o mal. Porém, também isso pode ser relativizado. O demônio se disfarça de luz, diz Paulo. Já Deus fez Sua tenda nas trevas, diz um salmo. A vida de conversão é vista como um ir das trevas (do pecado) para a luz (da vida correta). "Vós sois do dia, e não da noite", diz Paulo. Mas a coisa não pára aí. Há todo um terreno da teologia chamado "via negativa" ou "apofática". São Gregório de Nissa, um dos seus expoentes, dizia que a vida espiritual vai das trevas para a luz e da luz para as trevas. Ocorre que o que chamamos de luz é aquilo que está bem adaptado às nossas condições visuais ou perceptivas. Mas Deus, estando infinitamente além disso, as ofusca e se torna "treva" para nós. O Pseudo Dionísio Areopagita falava das "trevas mais que luminosas" de Deus. Já São Pedro Julião Eymard falava das Suas "trevas amorosas".

---

Neste sentido, veja-se também as famosas "Virgens Negras", que são imagens da Virgem Maria que, negras, retratam exatamente essa dimensão do mistério que excede as nossas possibilidades de acesso natural. Para São João da Cruz, a "noite dos sentidos" é a condição de nos prepararmos para a visão de uma luz mais que luminosa e que, por ora, seria treva para nós, de um modo análogo ao que ocorre quando, estando no escuro, adentramos de repente num quarto muito luminoso. Isso lembra de perto o prisioneiro da Caverna de Platão quando, soltando-se, expõe-se pela primeira vez ao mundo real. A princípio, ele vê-se cego. É o mesmo com o Paulo que cai do cavalo. Nesses casos, a cegueira é melhor que ver.

View more

Algo por muito tempo, até mesmo hobbies. Logo fico enjoada de coisas que aparentemente eu amava demais fazer. Passo um tempo obcecada e logo acaba a euforia. Passo mais tempo criando historias e universo paralelo na mente do que qualquer outra coisa. Sinto que amo viver fora da realidade. E agora?
--------

---

Eu sou geminiano. Instabilidade é o meu nome.

---

Essa frustração sua ocorre com pessoas que idealizam muito, que vivem na imaginação, projetando seus sonhos no mundo. A realidade, porém, é indiferente ao que se sonha. Ela se mantém sendo o que é, e a pessoa é que vê quebrarem-se as suas fantasias. Bukowski diz que as ilusões humanas são névoas tão fraquinhas que se queimam à primeira luz da realidade. Elas eram baseadas em quê? Isso Ocorre também com pessoas que querem sugar prazer de todas as situações. Aprenda a viver sem esperar isso. Não seja uma pessoa voraz, como uma criança que quer colocar tudo na boca pra sentir o gosto. Aceite as coisas como são, sem exigir nada. E vá vivendo. Não dependa dos gostos nem do ânimo pra fazer qualquer coisa. Entendeu que aquilo deve ser feito? Faça. É um modo muito bom de amadurecer e se estabilizar. Você está no nível estético, do Kierkegaard. Tem de ir pro nível ético. Dê uma lida sobre isso.

View more

Mas nessa linha de raciocínio de o tempo ter um começo, e que este veio precedido pelo Eterno... Você concorda que o tempo, ou melhor, a História tenha um fim? dá pra encaixar nisso a volta de Cristo como o fim da História, q então recomeçaria de outra forma?
--------------

---

Sim, a volta de Cristo será no "fim dos tempos". A história, que é o correr sucessivo dos fatos, terá um fim. O que começa a partir de então ou é uma espécie de tempo indefinido, chamado de eviternidade, ou é a eternidade em sentido estrito, em que já não é possível falar de sucessão. O Céu é definido por Boécio como a posse simultânea de todos os bens. Se, ainda assim, haverá ações, não se sabe. Penso que haja. Mas o tempo, tal qual o conhecemos, de fato termina ali. Um simbolismo antigo pra falar disso vê no Éden e sua forma circular (os quatro rios que procedem do centro) uma indicação do movimento ou começo da história, e na Jerusalém Celeste, com sua forma quadrada, a indicação do término do movimento ou fim da história.

View more

Primeiramente, saiba que essa confusão fácil entre doença mental e possessão na Idade Média é um clichê não muito verdadeiro. Claro que a psicologia não estava avançada como está, hoje. Muita coisa só foi descoberta no século XX. Mas já havia, na Idade Média, uma clara distinção entre esses dois fenômenos e saber fazer essa distinção era parte da formação dos exorcistas.

---

Hoje em dia, os casos de possessão lembram, fenomenologicamente, os de transtorno dissociativo de personalidade, e muitas coisas como mudança de voz, força sobre-humana e até levitação podem ter explicações naturais, mas elas seguem sendo realidades distintas.

---

Tratar de possessão nos tempos atuais pode produzir uma reação má em pessoas preconceituosas, que olham pra tudo segundo o dogma racionalista e naturalista. Mas possessões continuam ocorrendo. Então, dá sim para tratar disso. Você só precisa ter disposição de enfrentar essa reação adversa já esperada.

---

Uma abordagem mais contemporânea dessas coisas, e escrita num estilo literário bem trabalhado, pode ser lida no livro "Reféns do Diabo", do Pe Malachi Martin. Dê uma olhada.

View more

Vamos lá... Essa definição está entre aspas porque é de outra pessoa?

---

"Abstração concreta" é uma expressão curiosa, porque é paradoxal. Geralmente o que é abstrato não é concreto, e vice versa. O tempo, no entanto, tem uma natureza tão esquisita, que eu penso que essa seria uma definição possível. A rigor, só existe o presente, sendo que o passado e o futuro já e ainda não existem, respectivamente. O presente se liga a outro presente por meio de que liame? Além disso, o instante é tão ínfimo que, concretamente, ele não é objeto de percepção. A experiência do que chamamos de presente, o tal do "presente vivo" do Bergson, é uma faixa temporal. Logo, ele inclui passado e futuro imediatos. O instante é, portanto, um conceito abstrato, como um ponto na reta, mas não haveria tempo se ele não fosse concreto.

---

"Possui vários ciclos de eventos" - se isso significa que as coisas ocorrem em ciclos, é possível e provável. Não necessariamente que as coisas se repetem estritamente, mas que elas se organizam, a partir de certa semelhança, em grupos temporais distintos e que se sucedem uns aos outros.

---

"Sendo uma criação de Deus, e, portanto, a vontade decretiva de Deus". Que o tempo é uma criação de Deus, isso sem dúvida. O tempo começa, demandando algo que já havia "antes". Este algo, que não é temporal, só pode ser eterno. Agora, se por "vontade decretiva" há a sugestão de que Deus determina o que acontece, então não. Se assim fosse, Ele seria responsável pelo mal, e nenhum indivíduo além d'Ele poderia justamente ser recompensado ou punido. A vida seria um teatro de Deus para Ele mesmo.

View more

São três perguntas, aí. A última, que pede a minha opinião, será respondida nas três. Vou usar números, então, para indicar cada uma.

---

1- Existem diversos tipos de pessoas. Algumas se sentem atraídas por outras e são objeto de desejo de outras, ainda. Nem sempre a recíproca é verdadeira, o que gera os infinitos triângulos de interesse. A isso se somam mil complicações: status, medo, orgulho, respeito humano, tentativa desesperada, expectativa dos outros, medo de machucar e de se machucar, etc. É um mundo complicado por natureza. O amor, quando surge, o que não é muito comum, começa a despeito dessas coisas e as transcende. Mas nunca é algo de começo.

---

2- Atrapalha para quem gosta de festa. Para quem não gosta, como eu, é o ideal. Talvez você esteja procurando nos lugares errados, ou simplesmente não deu sorte nas opções que conheceu. Há muitas pessoas semelhantes a você. Você, porém, não as encontrará nesses ambientes, obviamente, já que elas não gostam.

---

3- Eu não sei dizer se a maioria gosta disso. Falando por mim, não é o critério que eu observo.

View more

Primeiro, não há garantias de que o purgatório seja um lugar e de que haja fogo literal, lá. A maioria dos teólogos atuais, e inclusive exorcistas, pensam nos novíssimos (os destinos pós morte) como sendo estados. A alma, não sendo física, não possui extensão e não ocupa lugar.

---

Se for fogo real, é um tipo de fogo muito peculiar, com propriedades purificadoras. Sto Tomás trata disso na Suma. Salvo engano, ele explica que o que dota o corpo de sensibilidade é a alma. A raiz da sensibilidade, portanto, estando na alma, faz com que ela seja capaz de sentir dor de um modo muito mais intenso do que o próprio corpo. Sendo que a sensibilidade, embora radique na alma, se espraia pelo corpo, isso implicaria uma espécie de intersecção entre a alma e a sua capacidade de receber estímulos físicos (o que acontece quando ela está no corpo). Mas provavelmente o fogo aí é apenas um símbolo. A própria Sagrada Escritura diz que "o ouro é provado pelo fogo, assim como o filho de Deus é provado pelo cadinho da humilhação". Veja aí a analogia: ouro - filho de Deus; fogo - humilhação ou dificuldades em geral.

---

O fogo, quando se trata de metais, os purifica penetrando. Não é uma purificação somente superficial. E o fogo torna semelhante a si. Da mesma forma, as almas no Purgatório serão purificadas a partir de dentro, tornando-se semelhantes a Deus.

---

O que é uma dor? É algo que contraria o movimento instintivo seguido pelo nosso ser. Instintivamente queremos prazer. Se somos dele impedidos, ou se somos expostos ao seu contrário, a sensação desagradável, sofremos. As almas que vão ao Purgatório, embora sejam boas, possuem desordens nas suas almas que fazem elas tenderem instintivamente para o egoísmo, ou o medo, etc. Purificá-las dessas desordens significa contrariar essas desordens. Mas as desordens se protegem. São o modo que a alma se acostumou a ter e a partir do qual ela passou a operar. Purificar a alma disso produz um movimento de resistência instintiva nela, que quer manter-se como está. Não o podendo, isto é, sendo forçada a mudar, ela sofre.

---

Não se trata, portanto, de nenhuma espécie de sadismo divino.

View more